Postagens

Mostrando postagens de junho, 2023

A MAGIA DAS PALAVRAS

Imagem
Na maternidade de uma grande metrópole, algo inusitado começou a chamar a atenção da enfermeira-chefe do berçário. Procurou o diretor da pediatria e disse: - Há algum tempo notei que os bebês que ficam no canto do berçário choram menos e dormem mais tranquilos. - Por que será? - indagou o médico, com ar de riso - Será que repousam em berços milagrosos? Ou, quem sabe, eles teriam uma fada protetora? - Doutor, falo sério. - Muito bem; vamos averiguar. O pediatra descobriu que a enfermeira tinha razão. Os bebês citados eram sempre mais comportados. Seria o posicionamento dos berços, onde havia melhor ventilação? Os colchões seriam mais confortáveis? Haveria menos ruído naquela parte do berçário? Após checar tudo, o doutor concluiu que não havia nada anormal. As condições eram absolutamente iguais em todos os berços. Todos os bebês eram alimentados dentro de critérios e horários rigorosamente observados. Também não havia diferença de tratamento para nenhuma criança. As enfermei

O MAIS APTO SUCESSOR

Imagem
Um poderoso rei, chegando ao ocaso de sua vida, começou a cogitar a qual dos quatro filhos deveria passar a coroa. Para tanto, chamou a cada um, em particular, buscando saber qual deles teria o melhor a oferecer ao reino. O primeiro filho resumiu sua capacidade de suceder ao pai com moedas - muitas moedas. Possuía um imenso tesouro e estava disposto a colocar seus recursos a benefício do reino, o que tornaria seu governo o mais rico entre todos, com o estabelecimento de um comércio mais intenso. O segundo, num discurso erudito, afirmou ser o mais inteligente entre os herdeiros do trono e colocaria sua inteligência a serviço do reino, promovendo as artes, a cultura e a ciência, tornando lendário o seu governo. O terceiro filho foi mais incisivo: - Posso não ter tantas riquezas ou sabedoria quanto meus irmãos; tenho, contudo, um predicado muito importante: força e poder. Em diversas batalhas, tenho vencido exércitos e sobrepujado oponentes corpo a corpo. Sob meu governo, este

AS ABÓBORAS

Imagem
Um cocheiro conduzia uma carroça cheia de abóboras. A cada solavanco do transporte ele constatava, aborrecido, que as abóboras ficavam todas desarrumadas. Então ele parava, descia e as organizava novamente no lugar.  Contudo, nem bem reiniciava a viagem, tudo ficava bagunçado outra vez com um simples balanço. O pobre homem começou a ficar desanimado. E pensou:  "Nunca vou terminar a viagem desse jeito! É impossível manter as abóboras arrumadas numa estrada tão esburacada!” Ainda imerso em tais pensamentos, passou por ele outro viajante com sua carroça também repleta de abóboras. Só que esse segundo cocheiro seguia em frente, sem olhar para trás: as abóboras que estavam desarrumadas "organizavam-se sozinhas" a cada solavanco. Foi então que o primeiro compreendeu que, se colocasse a carroça em movimento na direção do local onde queria chegar, os próprios solavancos fariam com que as abóboras se acomodassem em seus devidos lugares, sem que ele precisasse se preo

PRISIONEIRO DA PRÓPRIA LÍNGUA

Imagem
Uma pobre amoreira não suportava mais tanto assédio. Estando novamente carregada de amoras, uns melros insolentes estragavam-lhe os ramos com seus bicos e garras afiadas. - Por favor! - suplicou a árvore, dirigindo-se ao melro mais agressivo - Poupem ao menos minhas folhas. Sei que vocês gostam muito dos meus frutos e que são os seus preferidos. Mas não me privem da sombra de minhas folhas, que me protegem contra os raios do sol. E não me estraguem com seus bicos e patas! Não arranquem minha casca macia! O melro, cheio de arrogância, respondeu: - Silêncio, imbecil! Você não entende que a natureza te incumbiu de produzir esses frutos para nosso bel-prazer? Não sabe, sua estúpida, que quando chegar o inverno a tua única utilidade será alimentar o fogo? A amoreira, coitada, começou a chorar. Só que o mundo dá voltas. Não muito depois, começou a temporada de caça e aquele melro arrogante acabou caindo numa arapuca. Como era um pássaro muito bonito, o caçador quis preservá-lo nu

UM SEIO POR UM FILHO

Imagem
Michelle, seu marido e o filho de seis anos haviam acabado de se mudar para a casa dos sonhos - estilo colonial, cinco quartos, terreno espaçoso. O menino começara a frequentar a escolinha e o tempo era ideal para uma segunda criança, a qual de fato veio. Tudo era esperança e alegria, até o médico suspeitar da existência de um tumor na mama direita de Michelle.  Ela só conseguia pensar: "Não posso morrer. Eu quero dar à luz outra vez. Eu não vou contar aos meus pais que tenho câncer." Após três biópsias e uma ultrassonografia, o diagnóstico: um tumor com menos de um centímetro e receptor de estrogênio positivo. No contexto da gravidez de Michelle, significava que o bebê receberia a maior quantidade possível de estrogênio em sua corrente sanguínea, ou seja: ele cresceria com acelerada rapidez. A especialista a quem Michelle foi encaminhada a aconselhou que interrompesse a gravidez. Isso lhe permitiria extirpar o tumor e se submeter à quimioterapia. Em cinco anos, p

O DINHEIRO, SEGUNDO CHURCHILL

Imagem
Dizem que, certa vez, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill (1874-1965) pegou um táxi para uma entrevista na BBC em Londres. Ao descer do veículo, disse ao taxista: - Pode esperar alguns minutos, por gentileza? Acontece que o homem não reconhecera Churchill; portanto respondeu: - Desculpe, senhor, mas não posso. Preciso chegar logo em casa para ouvir o discurso do primeiro-ministro. Churchill então abriu a carteira e pagou ao motorista com uma nota de dez libras, valor considerável na época. O sujeito arregalou os olhos. - Ah, senhor, agora esperarei o tempo que for preciso; o Churchill que se dane! Mais tarde, ao recordar o episódio, Churchill comentou: "Os princípios foram modificados pelo dinheiro. Nações são vendidas por dinheiro. Honra é negociada  por dinheiro. Irmãos brigam e se traem por dinheiro. Almas se deixam corromper por dinheiro. Quem deu tanto poder ao dinheiro? Quem fez dos homens seus escravos? Por que não percebemos que o amor ao dinheiro e

RETORNANDO À VIDA

Imagem
Fred conseguira concretizar seus planos: casara com uma moça inteligente e bela, tinha um status bem sucedido como gerente de vendas de uma empresa importante e seus dois filhos estavam na universidade. Tudo ia bem. Contudo, um dia, o primogênito resolveu dar cabo da própria existência, sem que ninguém pudesse entender por quê. Seus pais se propuseram a lutar contra o desânimo e superar a sua perda. Mas, repentinamente, numa tarde de inverno, a esposa repetiu o ato insano do filho. A segunda tragédia fez com que Fred alimentasse a ideia de que, de alguma forma, ele fora o culpado de tudo. Passou a evitar os amigos e fechou-se em seu quarto, sendo posteriormente internado em um hospital para doentes mentais. Seu único pedido: que o deixassem a sós. Durante dois anos ele permaneceu apático, resistindo a todas as terapias. Recusava-se a abrir as cartas do filho, que estava em serviço militar no Pacífico; tampouco as respondia. Quando finalmente o filho veio visitá-lo e avançou

AMOR INATINGÍVEL

Imagem
Uma jovem e sensível mariposa voava ao sabor do vento num pôr-do-sol, quando viu uma estrela muito brilhante e por ela se apaixonou. Voltou imediatamente para casa, louca para contar à mãe que havia descoberto o amor. - Que bobagem! - resmungou a mãe - Estrelas não foram feitas pra que mariposas possam voar em torno delas. Apaixone-se por um poste ou um abajur; para isso sim fomos criadas. A pequena mariposa ficou decepcionada, mas resolveu ignorar o comentário da mãe; permitia-se empolgar com a "sua" estrela e pensava: "Que maravilha poder amar!" Na noite seguinte, vendo a estrela no mesmo lugar, decidiu que subiria até o céu, voaria em torno daquele astro radiante e expressaria seu amor. Foi muito difícil ir além da altura com a qual estava acostumada, mas conseguiu subir alguns metros. Compreendeu que, se treinasse um pouco a cada dia, conseguiria finalmente chegar à estrela; então se pôs a praticar. Esperava a noite com ansiedade e, assim que avistav

A PRECIOSIDADE DE ROBERTSON

Imagem
Como acaba o amor entre um casal? - era a pergunta que Robertson se fazia sempre. Desde a juventude ele lera muito a respeito, especialmente para não deixar que se extinguisse a chama da paixão por sua mulher. Ele se esforçava pra que cada dia fosse único para ambos. Lembrava de comprar flores sem comemoração nenhuma, somente para surpreender a esposa e vê-la sorrir. Telefonava, em pleno expediente, só pra dizer: - Amor, eu te amo! Entretanto ela, Muriel, acabou por sucumbir muito cedo ao Mal de Alzheimer. Seu marido indagava-se, perplexo, por que isso tinha acontecido, embaçando o brilho dos olhos dela. Apesar da enfermidade, Muriel continuava a ser uma mulher adorável ao olhos de Robertson. Ele chegou ao ponto de abandonar a profissão para se dedicar integralmente à esposa. Ele lhe falava tantas coisas, contudo ela não entendia e nem respondia. Certa tarde, um ex-aluno de Robertson o encontrou no supermercado e lhe perguntou, à queima-roupa: - Reitor, o senhor não sente f

O FIO MÁGICO

Imagem
Era uma vez uma menina muito ansiosa. Ela nunca estava onde parecia estar. Se estava em casa tomando o café, em sua mente já se via no dia seguinte fazendo a prova de matemática. Havia ido mal na prova, repetido de ano, deixado de viajar nas férias e depois...  A voz da mãe a trouxe de volta: - Menina! Onde você está com a cabeça? Derramou o café na mesa! Mais tarde, na escola, durante a aula de português, mentalizava-se duas horas adiante, voltando para casa com as amigas; aí perdia a concentração nos estudos. Seu cérebro estava sempre situado no futuro, como uma máquina do tempo. Certa tarde, ouviu alguém chamando-a. Era uma senhora de feição tranquila e bondosa, com idade de ser sua avó. - Veja o que tenho aqui, menina - disse ela, mostrando uma bola feita de fios de seda. - O que é isso? - É o fio da sua vida; leve-o. Se você não mexer nele, o tempo passará normalmente. Mas, se quiser que o tempo acelere, dê um leve puxão na linha e uma hora passará como se fosse um seg

BATOM PARA PRISIONEIROS

Imagem
Em 1945, um grupo de soldados britânicos libertou as vítimas do campo de concentração Bergen-Belsen. Um dos oficiais, o tenente-coronel Mercin Willet Gonin, condecorado pelo exército inglês com a Ordem do Serviço Distinto, relatou em seu diário o que encontrou naquele lugar: "Sou incapaz de uma descrição apropriada do circo de horrores em que meus homens e eu haveríamos de passar o mês seguinte de nossas vidas - um deserto inóspito, desprotegido como um galinheiro. Havia cadáveres espalhados por todo lado, alguns em pilhas enormes, às vezes isolados ou em pares no mesmo local em que caíam.  Levei algum tempo pra me acostumar com a horrenda visão de homens, mulheres e crianças tombarem ao passar por eles. Sabia-se que 500 deles morriam diariamente e que tal cota continuaria a se repetir por semanas, antes que alguma coisa que estivesse ao nosso alcance causasse algum impacto. Não era fácil, por exemplo, contemplar uma criança morrer sufocada pela difteria quando se sabi

A LIÇÃO DA CAVEIRA

Imagem
Um príncipe muito orgulhoso saiu certa manhã a cavalgar por suas terras que eram bastante vastas, repletas de vales, montanhas, colinas e prados. Cultuava-se a si mesmo e à sua vaidade por ser senhor de tantos domínios.  A certa altura do caminho, deparou-se com um andarilho, sentado diante de uma gruta. Segurava uma caveira humana e a fitava com tanta atenção que sequer levantou a cabeça ao som dos cavalos e carruagens da caravana real.  O príncipe não gostou nem um pouco da indiferença do sujeito. Aproximando-se dele, disse com rudeza: - Levanta-te quando teu senhor passa por ti! Que vês de tão interessante nessa mísera caveira, que não reverencias a passagem de um príncipe e seu séquito?  O homem ergueu os olhos serenos e respondeu com calma e firmeza: - Perdão, senhor. Estava tentando descobrir se esta caveira pertenceu a um mendigo ou a um príncipe. Mas não consigo desvendar tal mistério, por mais que eu tente. Neste fóssil nada há que me diga se a carne que o revestiu

BENDITA DOR

Imagem
Ao cair da tarde de um sábado frio, funcionários de um pronto-socorro receberam um casal e seu filho enrolado num cobertor. Pai e mãe se mostravam apavorados e o pai não parava de dizer:  - Ele se queimou! Ele se queimou! O que causou espanto aos plantonistas foi o fato de o menino parecer estar bem, esboçando até serenidade. No entanto, quando o colocaram na maca e retiraram o cobertor, constataram, estarrecidos, o grande estrago. Ele sentara sobre a chapa quente de um fogão, queimando gravemente as nádegas e a parte posterior das coxas. O acidentado deveria, no mínimo, estar urrando ou desfalecido, mas ele não estava nem aí. Encaminharam-no ao centro cirúrgico para a retirada do tecido morto, entre outros procedimentos. Estava claro, mesmo para os não-profissionais, que o paciente precisaria de um transplante de pele. Os maqueiros ouviram, intrigados, a explicação do especialista:  - O que vocês presenciaram é um caso raro de "síndrome de Ryley-Day", uma anomali

FRUTO DANINHO

Imagem
Um corvo apanhou uma noz e a carregou ao topo de um campanário (a torre de sinos de uma igreja). Segurando-a com as garras, começou a bicá-la a fim de abri-la. Porém, subitamente, a noz escapuliu e rolou para baixo, desaparecendo numa brecha do muro. Percebendo estar livre do corvo, a noz comentou com o muro: - Meu amigo muro! Que bom que vim parar aqui! Minhas preces foram ouvidas! Meu destino era cair entre os velhos ramos da minha mãe e permanecer no rico solo coberto de folhas amarelas. Mas quando vi que estava sendo atacada por aquele corvo feroz, fiz um voto: prometi que, se escapasse, passaria o resto de minha vida dentro de uma fresta; e foi o que aconteceu. Por favor, mantenha-me aqui! Nesse ponto os sinos começaram a badalar. Advertiram o muro sobre o perigo de manter um fruto em seu seio. Afinal, era um corpo estranho que poderia posteriormente causar-lhe problemas. O muro, entretanto, não viu nada de mais em dar abrigo à pobre noz. O tempo passou e a natureza fe

OS BENEVOLENTES

Imagem
Um casal de pombos levava uma vida feliz e tranquila. Ambos passavam o dia catando comida. À noite, abrigavam-se juntinhos em sua árvore favorita na floresta. Certa noite, a esposa voltou mais cedo para o ninho e ficou à espera do amado, porém começou a chover e ela, apreensiva, pensou: "Onde estará você, meu querido? Você nunca chega tão tarde!" Nisso um homem veio abrigar-se sob a árvore, segurando uma gaiola: seu esposo estava dentro dela! “Oh, não! O que devo fazer agora?”, pensou, angustiada.  Desesperadamente ela tentou distrair o caçador batendo as asas, mas não adiantou. Nesse ponto parou de chover. - Que frio! - disse o homem sentando ao pé da árvore - Estou todo encharcado. Vou me secar por aqui mesmo. A pomba fêmea se pôs a chorar pelo marido, mas ele disse: - Não fique triste, querida. Olhe o lado bom. Agora temos um convidado que está com fome e tremendo de frio. Ele precisa de nossa ajuda.  A esposa ouviu e compreendeu. Voou até uma clareira próxima

PROVANDO O PRÓPRIO VENENO

Imagem
Uma cabra e um asno moravam no mesmo estábulo e comiam no mesmo cocho, todos os dias. A ração era a mesma, só que a cabra começou a invejar o asno porque achava que ele estava bem mais alimentado que ela.  Então, certa vez, usando de malícia, ela disse: - Asno, vejo que tua vida é um tormento inacabável. Você só vive a relinchar sob as cargas que os homens te colocam. Você precisa de umas boas férias. Faz o seguinte: pule para dentro do fosso e finja que está ferido; assim você poderá descansar por uma longa temporada! O asno era muito ingênuo e não pensou duas vezes: deixou-se cair dentro do fosso e acabou realmente se machucando. Quando o fazendeiro ouviu os gritos de dor de seu animal, correu para resgatá-lo; depois, chamando o veterinário, pediu-lhe um remédio para o coitado.  - Sei de um ótimo tratamento - respondeu o veterinário - seu asno necessita de uma infusão com o pulmão de uma cabra; é muito eficiente para devolver-lhe o vigor. Assim o fazendeiro degolou a cabr

O TERROR QUE O HOMEM CRIOU

Imagem
Final de tarde. O sol começou a se esconder entre as montanhas. A menina voltava da escola cantarolando uma canção, na tentativa de espantar o medo da guerra. A escola estava para fechar a qualquer momento; a professora não se sentia segura lá dentro com os alunos. Havia dois soldados na entrada, mesmo assim era perigoso. A rua em que a garota morava reduzia-se agora a ruínas. Quase todas as casas desabaram após as últimas explosões. Só se via escombros e criaturas perambulando desorientadas e sem esperança. De repente, apareceu uma aeronave sobrevoando a rua. A menina se lembrou do aviso dos pais e procurou se proteger, correndo para trás do que restou de um muro onde ela costumava fazer desenhos com grafite. Seu corpo inteiro estava trêmulo. Com a cabeça entre as pequenas mãos, assistiu com horror a destruição da sua casa, alguns metros à frente, pelo mesmo avião. Toda a sua família estava lá dentro. Seu cachorro e gato também.  A coitada não podia acreditar. Triste demai

AMIZADE INABALÁVEL

Imagem
No século IV a.C., em Siracusa, na Sicília, Pítias e Damon eram amigos inseparáveis. Certo dia, o rei Dionísio aborreceu-se ao tomar conhecimento de certas declarações públicas de Pítias. O jovem pensador andava dizendo que nenhum homem tinha poder absoluto sobre outro e que os tiranos eram governantes injustos. Preso, Pítias reafirmou suas falas.  - O que digo ao povo é a verdade e, portanto, não me retratarei, custe o custar. Dionísio o enquadrou como traidor e o condenou à morte. Contudo concedeu-lhe um último desejo. - Senhor, permita-me voltar à minha terra para me despedir da minha mulher e filhos e pôr em ordem os meus assuntos domésticos. Depois retornarei para receber sua sentença.  O soberano deu risada. - Vejo que você me considera um tolo, além de injusto. Se sair de Siracusa, tenho certeza de que nunca mais voltará! Nesse momento, Damon pediu a palavra. - Senhor, me ofereço como prisioneiro em lugar de Pítias, até que ele volte. Garanto que ele cumprirá sua pal

A ÚLTIMA SOBREVIVENTE

Imagem
No ano 2000, Genelle Guzman-McMillan deixou a ilha de Trindad, no Caribe, com destino a Nova York. Desejava se tornar cantora e dançarina. Todavia, apenas um ano depois, seu sonho quase seria inteiramente frustrado, ao ficar presa nos escombros da torre norte do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001. Permaneceu soterrada por vinte e sete horas. Durante esse período, tudo o que Genelle pôde fazer foi rezar. Implorou para não morrer ali e por uma nova oportunidade. Naquelas horas de terror, desespero e incerteza, ela recordou toda a sua vida e as decisões que tomara.  Depois de algum tempo, conseguiu alcançar a superfície com uma das mãos. Com assombro e para seu alívio, sentiu uma outra mão, máscula, segurar firmemente a sua. O desconhecido identificou-se como Paul e lhe dirigiu palavras de conforto, assegurando que tudo ficaria bem e que o socorro chegaria em breve, o que de fato aconteceu.  Quando o resgate a retirou dos escombros, Genelle procurou por Paul para ag

A INSUPORTÁVEL

Imagem
Uma formiga e um elefante eram vizinhos na selva. O elefante era conhecido por sua paciência e gentileza, mas a formiga não era como ele. Vivia zombando do amigo e de sua aparência.  - Pra que você precisa de um nariz tão longo? Fica parecendo um palhaço! E pra que essas orelhas tão grandes e moles? Tem necessidade disso? A minúscula e ferina formiga não provocava apenas o elefante; às vezes criticava o tigre por suas listras e a girafa por seu pescoço comprido; caçoava do macaco por sua cauda e, com inveja, falava mal dos pássaros por poderem voar e ela não. Os outros bichos, ao contrário do elefante, não aceitavam os desaforos da formiga. Sempre que ela se aproximava, eles se retiravam e ninguém queria papo. Sua simples presença repelia a todos, exceto o elefante.  Em vez de ser grata pelo único animal que a aturava, a formiga persistia em destratá-lo. Mas paciência tem limite, mesmo a de um elefante; um dia, quando a formiga se pendurou em sua enorme orelha e começou a s

O LIVRO CURTO

Imagem
Certa vez, na China antiga, um sábio presenteou o imperador com um livro que tinha apenas duas páginas. E explicou: - Senhor, por gentileza, não abra o livro agora; somente quando estiver atravessando a hora mais triste de sua vida, leia a primeira página. Quando estiver vivendo o momento mais feliz, leia a segunda. Dessa forma, o presente terá atingido seu objetivo. O monarca seguiu a orientação do sábio e guardou o livro, sem nunca abri-lo. Tempos depois, um desastre abateu-se sobre o reino e o imperador se lembrou das palavras do sábio. Ao abrir o livro na primeira página, havia apenas esta frase: "Vai passar.” Com o ânimo renovado, o soberano convocou seus conselheiros, recebeu o apoio do povo e as dificuldades foram superadas, ao custo de muito esforço. Posteriormente, o império entrou numa fase de fartura, riqueza e glória. A felicidade era tanta que o rei quase esqueceu o conselho do sábio; pegou o livro com curiosidade e conferiu o que constava na última página

DISCÓRDIA E TRAGÉDIA

Imagem
Muito tempo atrás, numa floresta da Índia, uma enorme comunidade de codornas vivia feliz e em harmonia, mas sob a constante ameaça de um inimigo - um humano caçador. Ele atraía as aves com seu chamado (imitando suas vozes) e, quando se juntavam para atendê-lo, jogava-lhes uma enorme rede, aprisionando muitas delas. Contudo uma das codornas, reputada como a mais inteligente de todas, marcou uma reunião com as demais e disse: - Irmãs! Elaborei um plano muito bom. Na próxima vez que o caçador tentar nos pegar, cada uma de nós enfiará a cabeça por dentro de uma malha da rede e todas alçaremos voo juntas, suspendendo a rede. Depois de voar uma boa distância, deixaremos cair a rede num espinheiro e fugiremos. Todas concordaram e, no dia seguinte, quando o caçador lançou a rede, elas agiram de acordo com o plano, que acabou dando certo. O homem teve tanto trabalho pra retirar a rede de cima do espinheiro que gastou a tarde inteira nisso; aí, ao anoitecer, retornou para casa com as

"ISSO É VIRTUAL?"

Imagem
"Entro apressada e com muita fome na confeitaria. Escolho uma mesa bem reservada, pois quero aproveitar o intervalo para comer e passar um e-mail urgente para meu editor. Peço uma porção de batatas fritas, um hambúrguer e um suco de laranja. Em seguida abro o laptop. Levo um susto repentino com uma voz baixinha atrás de mim: - Tia, dá um trocado? - Não tenho, menino. - Só uma moedinha pra comprar um pão. - Está bem, compro um pra você. Verifico minha caixa de entrada; está lotada de e-mails. Fico distraída com as lindas formatações dos poemas e extasiada com as músicas da playlist. - Tia, pede pra colocar margarina e queijo também. O garoto insiste em lembrar-me que ainda está ali. - Certo, vou pedir, mas depois me deixa trabalhar, tá bom? Estou ocupadíssima. Chega minha refeição e, junto com ela, meu constrangimento. Faço o pedido do guri e o garçom me pergunta se quero que mande o garoto embora. Meus resquícios de consciência me impedem de dizer sim.  - Não precisa,

DESCONHECIDO BENFEITOR

Imagem
Um homem muito rico costumava ajudar pessoas, mas sempre no anonimato. Certa vez, estando numa pequena cidade a negócios, entrou em uma lanchonete para uma rápida refeição.  Através da vidraça, viu uns meninos brincando na rua e um deles prendeu sua atenção. Mancava o tempo todo, pois tinha um dos pés deformado. Ele então o chamou. - Garoto: esse seu pé o incomoda? - Não consigo correr como os meus amigos - respondeu o guri - além disso, preciso cortar um pedaço do calçado pra poder pisar melhor.  - Você gostaria de ter seu pé curado?  - Oh, sim, claro! - respondeu o garoto, quase comovido e com os olhos brilhando. - Pois vou providenciar que seu pé fique normal! - prometeu o estranho. E, chamando o motorista, pediu que encontrasse o endereço do menino, o que não foi difícil, já que todos da redondeza conheciam o pequeno Jimmy, de oito anos. - Fale com os pais dele, pedindo-lhes autorização para a cirurgia do garoto - instruiu o homem. O motorista parou em frente a um caseb

O PREÇO DA TAGARELICE

Imagem
Houve um tempo em que não existiam redes de dormir. As pessoas dormiam no chão por cima de folhas ou pendurados em árvores, como macacos. Mas Tamaquaré, o feiticeiro de uma grande tribo, cansara-se desse hábito. Ele estava para casar-se e não queria mais dormir no chão como os outros; receava que algum animal machucasse a ele e à sua amada. Também não queria dormir no alto das árvores porque tinha medo de cair de lá com sua mulher. Então ele resolveu conversar com o tucano sobre essa questão. O tucano nessa época tinha o bico curto e falava pelos cotovelos.  - Pode me ajudar a resolver esse problema? - indagou Tamaquaré. O tucano, depois de muito pensar, teve uma ideia: pegou um monte de cipós e começou a trançá-los. Depois amarrou o trançado entre duas árvores e chamou o pajé, que ficou muito satisfeito, mas ao mesmo tempo o advertiu: - Gostei muito do seu trabalho, mas não quero que os outros saibam como consegui isso. Entendeu? Não conte a ninguém, se não vou me zangar c

O RELÓGIO QUEBRADO

Imagem
Numa época distante, um idoso sábio mantinha, na frente de sua casa, um relógio de tamanho mediano e muitas pessoas se orientavam por ele, já que nesse tempo um relógio era privilégio de poucos. Contudo havia um problema: o aparelho vivia marcando a hora errada. - Mas será que não dá pra fazer alguma coisa? - alguém comentou. - Fazer o quê? - retrucou outro sujeito. - Bem, o relógio nunca marca a hora certa. Qualquer coisa que se faça já será uma melhora. O dono da casa ouviu a conversa e saiu. - Claro que algo pode ser feito e vou fazer agora! Aí ele retirou o relógio da parede e o arremessou ao chão, despedaçando-o. Todos ficaram atônitos. - Realmente! - comentou o sábio - Agora já dá pra sentir uma melhora. - Mas quando falamos "qualquer coisa", não foi assim literalmente - disse um deles - Como é que agora o relógio pode estar melhor que antes? E o velho respondeu: - Bem. Antes ele nunca marcava a hora certa; agora, pelo menos, duas vezes por dia ele vai estar