O TERROR QUE O HOMEM CRIOU




Final de tarde. O sol começou a se esconder entre as montanhas.
A menina voltava da escola cantarolando uma canção, na tentativa de espantar o medo da guerra. A escola estava para fechar a qualquer momento; a professora não se sentia segura lá dentro com os alunos. Havia dois soldados na entrada, mesmo assim era perigoso.
A rua em que a garota morava reduzia-se agora a ruínas. Quase todas as casas desabaram após as últimas explosões. Só se via escombros e criaturas perambulando desorientadas e sem esperança.
De repente, apareceu uma aeronave sobrevoando a rua. A menina se lembrou do aviso dos pais e procurou se proteger, correndo para trás do que restou de um muro onde ela costumava fazer desenhos com grafite.
Seu corpo inteiro estava trêmulo. Com a cabeça entre as pequenas mãos, assistiu com horror a destruição da sua casa, alguns metros à frente, pelo mesmo avião. Toda a sua família estava lá dentro. Seu cachorro e gato também. 
A coitada não podia acreditar. Triste demais pra ser verdade. Parecia um daqueles contos de terror que o tio costumava contar quando ela estava entendiada.
Fitou, incrédula, a casa destruída, a fumaça subindo e seu antigo pomar em chamas infernais.
O terror deixou-a inerte, sem forças pra sair do lugar. Suas pernas não quiseram andar. Todos aqueles que ela amava eram agora cinzas fabricadas por uma bomba, frutos de uma guerra completamente sem sentido. Por que precisavam morrer pessoas que nada tinham a ver com aquilo?
A única resposta era a triste realidade. A guerra lhe tirou tudo o que tinha. Estava sozinha naquele mundo sombrio.
Depois de um tempo, conseguiu chegar perto do antigo lar. Restava apenas um pedaço de parede do seu quarto, onde ainda jazia teimosamente pendurado o retrato do seu avô, coberto de poeira. Chorava tanto que os olhinhos doíam.
Bombeiros e soldados surgiram, minutos depois. Um deles, vendo a garotinha atônita, chorosa e segurando o retrato do avô, abraçou-a e, tomando-a nos braços sem dizer uma só palavra, a levou à casa dos avós dela, numa cidade vizinha. Ele conhecia de longa data os familiares da menina. A guerra ainda não tinha chegado lá, mas o pânico já reinava.
Na casa dos avós, todos choraram junto com a sobrevivente. Limparam a foto do vovô e a colocaram sobre a mesinha da sala. Agora era também uma sobra triste da guerra e não somente um mero retrato.
Ofereceram bolo de chocolate à menina, mas ela não quis. Ela só queria de volta os seus pais, irmãos e bichinhos.
Uma nova canção, inventada pela menina, preencheu seus lábios por um tempo. A letra, que não dizia nada com nada, era uma tentativa desesperada de enxotar o trauma do luto. Mas o esforço foi vão, porque a guerra é horrível. Inocentes morrem e são mortos.

Texto de Rosângela Trajano - adaptação de Marcos Aguiar. 

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