AMIZADE INABALÁVEL




No século IV a.C., em Siracusa, na Sicília, Pítias e Damon eram amigos inseparáveis.
Certo dia, o rei Dionísio aborreceu-se ao tomar conhecimento de certas declarações públicas de Pítias. O jovem pensador andava dizendo que nenhum homem tinha poder absoluto sobre outro e que os tiranos eram governantes injustos.
Preso, Pítias reafirmou suas falas. 
- O que digo ao povo é a verdade e, portanto, não me retratarei, custe o custar.
Dionísio o enquadrou como traidor e o condenou à morte. Contudo concedeu-lhe um último desejo.
- Senhor, permita-me voltar à minha terra para me despedir da minha mulher e filhos e pôr em ordem os meus assuntos domésticos. Depois retornarei para receber sua sentença. 
O soberano deu risada.
- Vejo que você me considera um tolo, além de injusto. Se sair de Siracusa, tenho certeza de que nunca mais voltará!
Nesse momento, Damon pediu a palavra.
- Senhor, me ofereço como prisioneiro em lugar de Pítias, até que ele volte. Garanto que ele cumprirá sua palavra. Nossa amizade é notória.
Um tanto desconfiado, Dionísio disse a Damon:
- Está ciente de que morrerá, se seu amigo não retornar?
- Estou, senhor.
- Então, que assim seja.
Pítias partiu e Damon foi lançado à prisão. Os dias se passaram e Pítias não voltava; daí o rei fez uma visita ao prisioneiro, a fim de verificar como estava o ânimo dele.
- Teu tempo está chegando ao fim. Será inútil implorar misericórdia. Você foi um tolo por confiar no seu amigo. Ainda acha que ele voltará?
- É apenas um mero atraso - respondeu Damon com firmeza - Talvez os ventos não lhe tenham permitido navegar ou tenha tido um imprevisto no caminho. Estou certo de que, se for humanamente possível, ele chegará a tempo.
Dionísio ficou impressionado, mas não deixou transparecer. 
Chegou afinal o dia da execução e Damon foi conduzido à presença do rei, onde o carrasco e uma multidão o aguardavam.
- Parece que seu amigo não apareceu - disse Dionísio com sarcasmo - Que acha dele agora?
- Confio nele - foi a simples resposta de Damon.
Quase no mesmo instante, as portas do salão se abriram e Pítias entrou, cambaleante. Estava pálido, ferido e a exausto, quase sem fôlego. Atirou-se nos braços do amigo e balbuciou, soluçando:
- Graças aos céus, você está vivo! Parece que tudo conspirava contra nós. Meu navio foi atingido por uma tempestade e naufragou. Em terra, fui atacado por bandidos que por pouco não me mataram. Mas me recusei a perder a esperança e aqui estou, pronto para cumprir a sentença do rei.
O grande Dionísio ouviu com espanto essas palavras. Não podia resistir ao poder de tal lealdade.
- A sentença está revogada! - declarou, emocionado - Jamais acreditei que pudesse existir tamanha amizade. É justo que ganhem a liberdade. Em troca, porém, peço-lhes que me ajudem.
- Ajudá-lo em que, senhor? - indagaram.
- Ensinem-me a ter parte em tão sólida amizade!
A amizade genuína requer tempo, esforço e trabalho para ser mantida. Se é verdadeira, não deixa de ser uma forma de amar.

Texto atribuído a Cícero (106-43 a.C.), orador e filósofo romano - adaptação de Marcos Aguiar. 

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