PRISIONEIRO DA PRÓPRIA LÍNGUA




Uma pobre amoreira não suportava mais tanto assédio. Estando novamente carregada de amoras, uns melros insolentes estragavam-lhe os ramos com seus bicos e garras afiadas.
- Por favor! - suplicou a árvore, dirigindo-se ao melro mais agressivo - Poupem ao menos minhas folhas. Sei que vocês gostam muito dos meus frutos e que são os seus preferidos. Mas não me privem da sombra de minhas folhas, que me protegem contra os raios do sol. E não me estraguem com seus bicos e patas! Não arranquem minha casca macia!
O melro, cheio de arrogância, respondeu:
- Silêncio, imbecil! Você não entende que a natureza te incumbiu de produzir esses frutos para nosso bel-prazer? Não sabe, sua estúpida, que quando chegar o inverno a tua única utilidade será alimentar o fogo?
A amoreira, coitada, começou a chorar. Só que o mundo dá voltas.
Não muito depois, começou a temporada de caça e aquele melro arrogante acabou caindo numa arapuca. Como era um pássaro muito bonito, o caçador quis preservá-lo numa gaiola; então coube à amoreira fornecer a matéria-prima.
Mais uma vez, o melro e a amoreira estavam juntos, mas sob circunstância diferente.
- Melro! Sou eu, a amoreira. Agora sou parte desta gaiola. Lembra quando você era livre e vinha me importunar? Pois é. Hoje são meus galhos que impedem tua liberdade. Não fui consumida pelo fogo, como você desejou que acontecesse. Você não me viu queimada, mas eu estou vendo você aprisionado!
O melro simplesmente baixou a cabeça, envergonhado demais pra responder qualquer coisa.
Tenha muito cuidado no que faz e diz, pois você nunca sabe o que pode acontecer amanhã. 

Fábula de Leonardo da Vinci (1452-1519) - adaptação de Marcos Aguiar. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

UMA FILA QUE VALEU A PENA

A VERDADEIRA RIQUEZA

OS PREGOS