DEDICAÇÃO DESINTERESSADA




Certa senhora residia num asilo há três anos. Agradável com todos, era o centro das atenções. E, embora tivesse que permanecer na cama ou na cadeira de rodas, em função das muitas dores, mostrava-se continuamente feliz.
Sempre tinha uma história para contar, com dicção clara e linguajar de alto e bom astral que encantava seus ouvintes. Por vezes, relatava fatos de sua própria vivência com familiares. 
Uma vez, alguém lhe perguntou por quantos anos fora casada.
- Cinquenta e três anos. E sem férias - respondeu com um suspiro.
Outra interlocutora quis saber se o marido era tão bom e gentil, dada a longevidade da relação.
- Até o dia do casamento me parecia que sim; mas, depois, as coisas foram mudando muito. Ele era bem mais velho, estrangeiro, ateu e com costumes bem diferentes dos meus. Eu, jovem oriunda de uma família humilde, tive uma infância pobre e muito religiosa. O deus dele consistia no dinheiro. Seus apegos maiores eram a gula e o sexo. Nunca falou que me amava ou que gostava de mim.
- Mas o que fez a senhora continuar com ele?
- Primeiro, em respeito aos filhos, que precisavam de uma família pra poderem crescer e virar pessoas de bem. Segundo, em respeito a ele mesmo, pois, conhecendo-o melhor, entendi que ele precisava de mim para não se tornar pior do que era. Ele precisava sentir-se cuidado e acompanhado.
- Então deve ter sido enorme o seu sacrifício, hein...
- Meu marido foi pra mim, em verdade, um grande professor. Me ensinou a ter paciência, fé, resignação e superação. Me esmerando em permanecer junto dele, pude vê-lo partindo com alguma mudança interior. No final de sua vida, já buscava a Deus. O sexo esfriara. Somente a gula persistiu até o fim. No entanto, o melhor foi que aprendeu, com os netos, a lhes dizer: “Eu te amo!”

Autoria desconhecida - adaptação de Marcos Aguiar. 

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