MÃEDRASTA




Quase sempre, quando se fala em madrasta, a conotação é aparentemente pejorativa, como se toda madrasta fosse má.
Só que não é bem assim.
Por vezes, madrastas se revelam verdadeiros anjos na Terra, enviados para preencherem de amor a existência dos órfãos.
Um exemplo notável é o da nossa imperatriz Amélia de Leuchtenberg (1812-1873). Quando precisou acompanhar o esposo Dom Pedro I para Portugal, deixando aqui o infante príncipe Pedro, de apenas seis anos, escreveu-lhe uma carta de despedida na qual demonstra seu mais profundo afeto pelo enteado:
"Meu filho do coração e meu imperador!
Adeus, menino querido, deleite de minha alma, alegria de meus olhos, filho que meu coração adotou! Adeus para sempre!
Quanto és formoso nesse teu repouso! Meus olhos chorosos não se puderam furtar de te contemplar.
És o espetáculo mais tocante que a Terra pode oferecer! Quanta grandeza e quanta fraqueza a humanidade encerra por meio de ti, criança idolatrada: uma coroa, um trono e um berço.
Ah, querido menino! Se eu fosse tua verdadeira mãe, se meu ventre te tivesse concebido, nenhuma força te arrancaria de meus braços! Prostrada aos pés daqueles que abandonaram meu esposo e teu pai, eu lhes diria, entre lágrimas:
'Não sou mais imperatriz, e sim a mãe amantíssima... permiti que vigie o nosso tesouro, esta criança, que é meu filho e vosso imperador! Vós o quereis seguro e bem tratado; e quem o haveria de guardar e cuidar com maior devoção senão eu, sua mãe? Se não posso ficar a título de mãe, ficarei como sua criada ou escrava para o servir e acalentar!'
Mas tu, anjo de inocência e de formosura, não me pertences senão pelo amor que dediquei a teu augusto pai. Apenas sou tua madrasta, embora te queira como se fosses o sangue do meu sangue.
Um dever sagrado me obriga a acompanhar o ex-imperador no seu exílio, através dos mares, em terras estranhas...
Adeus, pois, para sempre!
Mães brasileiras! Vós que sois meigas e carinhosas para com vossos filhinhos, supri minha ausência: adotai o órfão coroado. Dai-lhe, todas vós, um lugar na vossa família e no vosso coração.
Se a maldade e a traição lhe prepararem ciladas, ensinai, com voz terna, as falas de misericórdia que consolam o infortúnio e as palavras de patriotismo que exaltam as almas generosas; e, de vez em quando, sussurrai aos seus ouvidos o nome de sua mãe de adoção.
Mães brasileiras! Eu vos confio este preciosíssimo penhor da felicidade de vosso país e de vosso povo. Eu vo-lo entrego. Agora sinto minhas lágrimas correrem com menor amargura.
Dorme, criança querida, enquanto nós, teu pai e tua mãe de adoção, partimos para o exílio, sem esperança de te revermos, senão em sonhos.
Brasileiros! Eu vos conjuro que o não acordeis antes que me retire. A sua boquinha, molhada pelo meu pranto, ri-se à semelhança do botão de rosa com o orvalho matutino.
Ele se ri, e o pai e a mãe o deixam para sempre...
Adeus, órfão-Imperador, vítima de tua grandeza antes que a saibas conhecer.
Adeus... toma um beijo... ainda outro... mais um último...
Adeus para sempre!
Amélia."
Poderá alguém, em sã consciência, afirmar que o amor dessa mulher não foi o de uma autêntica mãe?

Adaptação de Marcos Aguiar. 

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