ABANDONADA



Numa manhã ensolarada, um rústico caixão foi baixado à sepultura.
De quem se tratava? Ninguém sabia ao certo. Apenas meia dúzia de gente acompanhando o féretro. Nenhum choro ou lamento pela ausência do morto, nem mesmo balbúcios de adeus.
O corpo pertencera a uma idosa residente no asilo regional, onde havia passado grande parte da vida. Uns dias após seu sepultamento, a zeladora encontrou numa gaveta, ao lado da cama da falecida, algumas anotações. Começou a lê-las e não pôde conter as lágrimas.
Aquela anciã fora abandonada pela família naquele asilo, muitos anos antes, e desprezada para sempre.
As próprias palavras da senhora expressam melhor a dor dela:
"Onde andarão meus filhos? Aquelas crianças sorridentes que embalei em meu colo, alimentei com meu leite e cuidei com tanto desvelo, onde estarão? 
Estarão tão ocupadas que não possam ao menos me telefonar para me dizer: 'olá, mamãe'?
Ah! Se eles soubessem como é terrível a dor do abandono... a mais deprimente solidão...
Se ao menos eu pudesse andar... mas dependo das mãos generosas destas cuidadoras que me levam todas as manhãs a tomar sol no jardim...
Os dias, meses e anos passam e meus filhos não entram por aquela porta para me abraçar e me envolver com carinho, como eu gostaria que acontecesse... 
O tempo passa... e com ele se vai a minha esperança...
E agora... como esquecer que fui esquecida? Como engolir esse nó que teima em sufocar minha garganta, dia e noite? Todas as lágrimas que já derramei foram inúteis para desfazer esse nó e aliviar a minha angústia.
Sinto que o crepúsculo da minha existência se aproxima... queria saber dos meus filhos... dos meus netos... por que nenhum deles se lembra de mim?... 
Sinto que a minha hora está chegando... depois que eu partir, gostaria que alguém encontrasse estas minhas anotações e as divulgasse... e que minhas palavras possam tocar os corações dos filhos que largam seus pais em asilos e os deixam de mão... que eles tenham pelo menos uma ideia do que é sentir-se abandonado..."
A data assinalada ao final da última anotação foi precisamente aquela em que a idosa esquecida se foi para sempre.
Não há o que comentar. Certamente você captou a mensagem deste triste relato.

Autoria desconhecida - adaptação de Marcos Aguiar. 

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