UMA "LAGARTA" TRANSFORMADA




Certa vez, o capelão de um hospital foi convocado pela enfermeira-chefe para atender a uma senhora que se recuperava de uma delicada cirurgia abdominal por câncer. Ele soube que aquela paciente era considerada, ali, "o problema número um" - exigente, abusiva e intratável. Usava de palavreado chulo, tornando-se mais insolente a cada dia.
A primeira visita do capelão provocou nela uma infindável torrente de queixas a respeito do tratamento, do serviço médico e da enfermagem, além de suas dores.
Naquela voz áspera e violenta, o capelão percebeu nítido pânico. Assim, junto com a psiquiatra, passou a assisti-la diariamente.
O histórico dela era a de uma mulher obcecada pelo trabalho, não se dedicando a ninguém e a mais nada. Tinha irmão e irmã, residentes em cidades distantes, os quais, mesmo sabendo de sua condição, nunca a visitavam. Afinal, ela vivera uma vida inteira de isolamento, com pouco crédito no banco da afeição. Então, a turma do hospital se tornou a sua família de fato.
Em poucas semanas de assistência do capelão, a mulher começou a sorrir. Viveu mais quatro meses e, nas palavras do capelão, "a velha lagarta de sessenta e oito anos se converteu numa graciosa borboleta."
Enquanto evoluía seu quadro, encaminhando-se para a última hora, ela aceitou o fato de não poder apagar as décadas de seu passado. Não poderia, magicamente, resgatar o relacionamento com os irmãos e com amigos que não conquistara. Agora, contudo, podia adotar uma nova família: médicos, enfermeiras, o capelão, a psiquiatra e todos que a visitavam com regularidade e com ela mantinham longas conversas e prestavam dedicados cuidados.
Um mês antes de sua partida, ela teria dito aos presentes:
- Vivi mais nos três últimos meses do que durante toda a minha vida. Gostaria de ter conhecido, quarenta anos atrás, quem conheço agora. Tenho amigos. Obrigada!
O tempo é precioso para se renovar, aceitar o que não pode ser mudado e compreender o sentido do que nos acontece. Por isso, todo minuto de nossa vida é deveras valioso.

Texto de Elisabeth Kübler-Ross - adaptação de Marcos Aguiar. 

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