O MELHOR JEITO DE VENCER




Numa tarde de primavera, o trem atravessava ruidosamente os subúrbios de Tóquio. Em um dos vagões, quase vazio, entre mulheres e idosos, havia um jovem lutador de Aikidô que, sentado à janela, observava distraidamente o cenário monótono da cidade.
Chegando a uma estação, as portas da locomotiva se abriram e por uma delas entrou, justo naquele vagão, um bêbado. Parecia ser operário e possuía considerável musculatura. 
Estava fedendo a bebida e a suor e já foi entrando aos berros.
Foi logo empurrando uma mulher que carregava um bebê ao colo; ela caiu sobre um assento vazio, mas felizmente nada aconteceu à criança. 
O ébrio agarrou a haste de metal no meio do vagão e tentou furiosamente arrancá-la. Uma de suas mãos estava ferida e sangrando.
Àquela altura os passageiros estavam paralisados de medo, mas o jovem lutador viu ali uma boa chance de testar suas habilidades marciais. Treinara bastante nos últimos três anos e ainda não havia colocado em prática o que aprendera. Almejava uma oportunidade legítima na qual pudesse proteger inocentes. A oportunidade, então, parecia ter chegado. 
Ele se levantou. O bêbado olhou para o mancebo com desprezo.
- Ah! Um valentão! Está querendo uma surra, garoto?
O jovem, como resposta, dirigiu-lhe um insulto, provocando-o.
- Agora chega! - gritou o ébrio. - Agora você vai ver!
Mas, antes de o bêbado investir contra o moço, alguém atrás dele gritou:
- Ei!
O bêbado, voltando-se, viu um senhor vestido com um quimono. Aparentava ter mais de setenta anos. Sorrindo, disse ao bêbado, em tom amistoso:
- Venha aqui conversar comigo!
- Mas por que diabos eu iria conversar com você? 
- O que você andou bebendo, amigo? - inquiriu o velhinho, sempre simpático. 
- Saquê! Mas isso não é da sua conta!
- Ah, saquê!... sabe, agora lembrei da época de minha mocidade, quando sentava num banco do jardim de minha casa, com minha adorável esposa. Admirávamos o pôr do sol, à sombra do nosso caquizeiro!
Aquela conversa desarmou o ébrio. Aos poucos ele foi se acalmando.
- Eu também gosto de caqui - disse ele, aproximando-se do ancião e sentando ao lado dele.
- Sim, é delicioso. E estou certo de que sua esposa também gosta, não é?
- Não! - suspirou o operário - Minha esposa morreu há quase um ano! Não tenho mais minha casa e nem meu emprego. Sou um pobre miserável!
Enfiou a cabeça entre as mãos e desabou em pranto. O veterano sensei pousou a mão sobre os largos ombros do "valentão", num gesto solidário.
Seria uma lição jamais esquecida pelo jovem lutador, cuja ânsia de briga evaporou diante da sábia atitude do ancião. O que ele pretendia resolver na força do braço fora contornado com gentileza e boas maneiras.

Texto de Jack Kornfield - adaptação de Marcos Aguiar.

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