A ÚLTIMA FOLHA



Duas jovens pintoras foram residir em Nova York. O frio de dezembro chegou com grave epidemia de gripe e uma delas, Joana, ficou acamada. Apesar dos cuidados de sua amiga Suzana e tratamento médico, ela não melhorava.
Não reagia. Ficava deitada e olhando para a parede branca do prédio do outro lado da rua.
Quando Suzana comentou que a febre baixara e que em dois dias elas poderiam viajar para a Flórida, Joana respondeu, desanimada:
- Três dias atrás havia quase cem folhas na parreira que sobe por aquela parede. Estou contando. Hoje tem somente dezenove. Quando a última folha cair, eu vou morrer.
Suzana tentou dissuadi-la da ideia. Afinal, que relação poderia haver entre as folhas de uma parreira e a recuperação da saúde?
- Pare de olhar por essa janela - disse Suzana - Prometa-me.
- Está bem - respondeu a enferma, mas com a certeza de que não cumpriria a promessa.
No andar de baixo, morava Bernardo, um senhor de oitenta anos, conhecido das duas artistas. Pintor frustrado, jamais teve êxito em produzir uma obra de valor. Sofria de tumor pulmonário e não desejava se internar para tratamento.
Suzana comentou com ele sobre a enfermidade da amiga e a história da parreira. Temia que Joana estivesse prestes a partir.
Naquela noite, caiu uma chuva miúda e insistente. Suzana nem teve coragem de olhar pela janela.
Mas, no dia seguinte, acordou com Joana sacudindo-a eufórica:
- Venha ver! Mesmo com a chuva e o vento, uma folha continua dependurada na parreira! É um sinal de que não irei morrer!
Nos dias seguintes, a folha permaneceu estática. Quanto a Joana, a febre e a tosse sumiram. Agora podiam viajar.
Antes de embarcar, Suzana providenciou o internamento de Bernardo, cujo estado piorara. Depois de quinze dias maravilhosos sob o sol da Flórida, retornaram e souberam que o amigo pintor desencarnara.
Tristes, as amigas se dirigiram ao apartamento.
- Será que ainda verei a folha de parreira? - indagou Joana.
Suzana sorriu.
- Sim, você a verá com certeza. Saiba que, quando o Bernardo soube que você colocara em sua cabeça que iria morrer quando caísse a última folha da parreira, ele enfrentou o frio da madrugada e pintou a folha na parede do prédio, em frente à sua janela. Ele me confidenciou que aquela foi a obra-prima da vida dele.
As amigas se abraçaram, comovidas. Aquele senhor, num último ato de vida, sacrificara-se em favor daquela jovem cheia de sonhos.

Texto de William S. Porter - adaptação de Marcos Aguiar. 

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