TEMPO E ATENÇÃO





Sempre que os pais de Soninha chegavam em casa, ela corria e pulava no colo deles:
- Papai, brinca comigo?
- Filhinha, papai tá cansado. Acabei de chegar do trabalho. Depois o papai brinca, tá bom?
- Mamãe, lê uma história pra mim?
- Meu amor, agora não. A mamãe está exausta, e ainda tenho que arrumar a cozinha. Depois, filha, tá bom?
O problema era que o "depois" nunca chegava. Soninha esperava e nada.
E a coitada ficava triste.
Afinal, ela não estava pedindo muito; apenas um pouco de tempo pra os pais ficarem com ela.
Quase todas as vezes que ela insistia nisso, ouvia esta resposta:
- Soninha, quantas vezes o papai e a mamãe vão ter que te dizer que chegamos cansados do trabalho? Nos dê um tempinho, sim?
O casal foi para a sala e ligou a TV. Soninha sentou-se ao lado deles:
- Pai, o jornal acaba logo?
- Agora que começou, filha.
- E então, mãe, falta muito pra o jornal acabar?
- Falta sim, filha, e silêncio, que não estou escutando nada.
- Pai, quando o jornal acabar, você me avisa?
- Ah, filhinha, assim não dá! Você não está deixando o papai e a mamãe assistirem o jornal. Vá para o quarto dormir; não é hora de criança ficar acordada.
E era sempre assim. Aqueles pais quase nunca tinham tempo para a filha.
Mas, uma noite, quando eles chegaram da rua, encontraram Soninha deitada no sofá, quietinha. Estranharam.
Ao dar-lhe um beijo, a mãe notou Soninha um tanto quente; a menina estava com febre. O pai saiu para comprar remédio enquanto a mãe preparou uma sopa para a filha. Velaram a noite inteira, aflitos, ao lado dela.
No dia seguinte, a mãe não foi trabalhar. Ficou o tempo inteiro cuidando da filha.
Apesar da febre, Soninha estava amando a situação. Finalmente os pais arrumaram tempo pra ficar com ela; era o que ela mais queria.
À noite, quando o pai chegou, encheu a menina de beijos, sentou ao lado de sua cama e conversaram um bom tempo.
Uns dias depois Soninha estava quase melhor. Foi então que começou a ficar com medo. "Se eu melhorar de vez, meus pais não irão mais ter tempo pra mim e tudo vai ser como antes", pensou.
Então teve a ideia de, todos os dias, fingir estar doente; só assim teria os pais lhe dando atenção e carinho, sempre. E foi o que fez.
Sempre que eles chegavam, ela começava:
- Ai, papai! Minha cabeça tá doendo muito! Não estou aguentando!
O pai, preocupado, sentava-se ao lado da filha, começava a massagear-lhe a cabeça.
E Soninha, claro, adorando.
Desde então, toda noite encontravam Soninha sentindo alguma coisa: dor de barriga, de dente, de cabeça, de ouvido, no pé... 
Os pais ficaram preocupados com tantas dores.
- Filhinha, isso não é normal. Vamos ter que te levar no médico pra ele te examinar e ver o que você tem.
Soninha ficou apavorada com a ideia; então achou melhor abrir o jogo:
- Mamãe, papai... sabe o que é... aquelas dores que eu sentia... na verdade eu não sentia dor nenhuma... era tudo invenção... a primeira vez que fiquei com febre era mesmo de verdade. Mas foi aí que vivi meus melhores dias com vocês do meu lado, conversando comigo, me dando carinho e atenção, fazendo a comida que eu gosto, brincando e sorrindo comigo, contando-me histórias... enfim... achei que, se eu melhorasse, vocês não iriam mais arrumar tempo pra ficar comigo. Por isso inventei todas essas dores.
Só ali eles perceberam que tinham tempo pra tanta coisa, menos para a filha.
A partir desse dia, a Soninha se tornou a prioridade número um do tempo deles.

Autoria desconhecida - adaptação de Marcos Aguiar. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

UMA FILA QUE VALEU A PENA

A VERDADEIRA RIQUEZA

OS PREGOS