"ELA NÃO MERECE VIVER"





Com tratamento adequado, no qual se incluíam vitaminas e injeções, Gisela Grober chegaria, no máximo, aos vinte e cinco anos de idade. Essa foi a previsão dos médicos por ocasião do nascimento dela, em 20 de fevereiro de 1942.
"De qualquer forma, ela não merece viver", sentenciariam os nazistas, que queriam livrar o povo alemão de pessoas como ela.
Quando Gisela nasceu, na Alta Bavária, a eutanásia infantil havia sido implantada no Terceiro Reich. Seus diminutos olhos oblíquos, sua face arredondada, uma cardiopatia e um cromossomo a mais diagnosticavam seu atestado de morte.
Na época, todo médico e parteira eram obrigados a relatar o nascimento de crianças com deficiência. Mas quando Gisela nasceu, todos os envolvidos no parto, inexplicavelmente, fecharam os olhos às suas peculiaridades e essa foi a salvação dela.
Em 2015, Gisela, com 73 anos, fazia parte de um restrito grupo de idosos alemães com síndrome de Down que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial. Mas ela, "a mulher que não deveria viver", não tem consciência disso.
Interessada somente pelas figuras de seus livros de história, Gisela desconhece o sentido das letras. Não se aborrece com assuntos políticos, mas se incomoda com os portões dos jardins que são esquecidos abertos, fechando-os, um a um, quando passa por eles. Então comemora, como uma criança que se gaba de uma travessura. E quando ri, seu rosto se ilumina, com uma graça singular em torno dos enrugados olhos azuis.
Em sua cidade, Gisela é cidadã ilustre. Na padaria, ganha guloseimas. Na paróquia, é tão conhecida quanto o padre. Todos se voltam para ela durante a missa quando, num dialeto somente seu, formula frases e orações quase incompreensíveis e, vez ou outra, dispara uma gargalhada inocente.
Acompanhada de seu irmão e cuidador, quando passa próximo ao cemitério, diz: "Oi, mamãe". E, fitando a sepultura, recita o bordão de sempre: "Felicidades para o seu aniversário e que você esteja no céu, junto de Deus".
Ninguém sabe ao certo como ela sobreviveu. Estima-se que em torno de cinco mil crianças não tenham tido a mesma sorte.
O fato é que, no auge de sua terceira idade (descontando os problemas de saúde), ela permanece ativa, brincalhona e risonha.
- Em casa, estou sempre feliz - afirma.
Seja como a Gisela. Seja feliz do seu jeito, como puder. Não espere o amanhã para viver de forma plena.

Autoria anônima - adaptação de Marcos Aguiar. 

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