O TAPA NA CARA





Sentado à sombra de uma árvore, Buda falava a seus discípulos quando um desconhecido se aproximou e deu-lhe um tapa na cara.
Buda passou a mão na face e perguntou ao homem:
- E agora? O que vai querer dizer?
Aquilo desarmou o homem. Ele não esperava essa reação. Sempre que ele fazia isso, as pessoas ficavam com raiva e reagiam - ou, em alguns casos, sorriam nervosamente. Mas Buda não fizera nem uma coisa nem outra; simplesmente indagou.
Os discípulos, contudo, ficaram raivosos. Um deles, Ananda, disse:
- Isso foi demais: não podemos tolerar. Mestre, guarde para si os seus ensinamentos; vamos mostrar a este homem que ele não tem o direito de fazer o que fez. Ele precisa ser punido ou, do contrário, todo mundo vai querer imitá-lo.
- Fique quieto - repreendeu Buda - Esse homem não me ofendeu, mas você está me ofendendo. Ele é um estranho para mim. Ele pode ter ouvido alguma coisa sobre mim por aí e, com base nisso, formou uma noção equivocada a meu respeito. Ele não bateu em mim; ele bateu nessa noção. Como ele pode me ofender, se ele não me conhece?
E continuou:
- Se pensarem bem, ele golpeou a própria mente. Eu não faço parte dela e vejo que esse coitado tem alguma coisa a dizer, porque pessoas como ele fazem uso da ofensa pra querer dizer alguma coisa. Por isso perguntei: "E agora?"
O homem ficara ainda mais confuso. E Buda, voltando-se aos discípulos, prosseguiu:
- Estou ofendido é com vocês, porque me conhecem há anos e ainda reagem.
O homem, desnorteado, voltou para casa e passou a noite em claro. Na manhã seguinte, retornou e atirou-se aos pés de Buda.
- E agora? - perguntou o mestre - Esse seu gesto também é uma maneira de dizer alguma coisa que não pode ser dita com os lábios. 
O homem, envergonhado, balbuciou: 
- Por favor, perdoe-me pelo que fiz ontem.
- Perdoar? Mas eu não sou o mesmo homem a quem você fez aquilo. As águas do Ganges correm continuamente por seu leito, então o rio nunca é o mesmo. Todo homem é como um rio. O homem que você esbofeteou não está mais aqui; apenas me pareço com ele; aconteceu muita coisa de ontem pra hoje! O rio correu bastante. Assim, não posso perdoá-lo, porque não tenho nenhum rancor contra você. Além disso, posso ver que você não é o mesmo homem que veio aqui ontem, pois aquele homem estava com raiva e você está inclinado aos meus pés. Então você não é o mesmo. Portanto, vamos esquecer tudo. O agressor e o agredido não mais existem. Levante-se; sente aqui e vamos conversar como bons amigos. 

Autoria desconhecida - adaptação de Marcos Aguiar. 

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