RATOS E BOTAS





Dois ratos moravam, cada um, no interior de uma bota e eram vizinhos. Mas viviam um tanto afastados porque, embora as botas fossem do mesmo par, seus inquilinos simplesmente não se davam bem. Assim as botas estavam de costas voltadas, isto é, calcanhar de frente para o outro calcanhar.
Um dia sobreveio um grande temporal e o vento soprou forte por aquelas paragens, empurrando uma das botas em direção à outra, que também se deslocou com a ventania.
- Quem está dando pontapés em minha casa? - gritou, irritado, um dos ratos.
Como agora estavam bem próximos, o outro rato ouviu a fala do vizinho e também reclamou. Contudo o pior ainda estava por vir.
A chuva intensa logo formou uma enxurrada e as duas botas foram arrastadas.
- Ora! Em vez de casa, um barco! - exclamou um dos ratos, aterrorizado. 
- Em vez de bota, um bote! - exasperou-se o outro.
A tempestade, todavia, não durou muito e, com a estiagem, as botas pousaram, lado a lado, num montinho de areia. Daí os dois moradores saíram para ver onde estavam.
- Caramba, que viagem tormentosa!
- Pensei que nunca mais ia acabar!
- Mas, veja: viemos parar num local muito bom.
- Sim. Uma boa vista e um ar mais agradável. 
E assim prosseguiram a conversa. Quando se deram conta, estavam rindo entre si, como bons amigos que nunca haviam sido até então.
- Veja! - disse um - Tuas persianas ficaram estragadas com a tempestade. 
- E os cadarços da tua bota precisam de ajustes. Deixa que eu te ajudo.
Passaram a tarde a auxiliar um ao outro e o trabalho rendeu - não apenas no reparo das casas, mas na consolidação de uma duradoura amizade.
Tragédias, às vezes, reatam relações. 

Texto de António Torrado - adaptação de Marcos Aguiar. 

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