UMA VIDA POR OUTRA




Era uma cela compartilhada por vários detentos, cada um com uma história mais trágica que a do outro.
Um deles, reputado como o maioral e o pior de todos, agia como se a cela fosse seu domínio particular. Era temido e, por isso, obedecido.
Então, um dia, chegou carne nova. Um sujeito acusado de homicídio. A vítima, uma garotinha. A recepção foi uma baita surra de todos os presos. O cara quase morreu.
Depois de permanecer uns dias na enfermaria, ele retornou à cela e, para surpresa de todos, chamou-os de amigos. Consideraram-no maluco e idiota. 
Aparentemente eles tinham razão. Raul agia mesmo como um tolo. Falava com as pombas que desciam ao pátio da prisão e soltava-as no ar, pedindo-lhes que dessem recados à sua filha.
Contudo, com o passar do tempo, deram-se conta da inocência daquele homem. Não tinha a mesma índole que eles.
Posteriormente conheceram a filha dele que viera visitá-lo - uma encantadora menina de nove anos. Ela contou sobre uma testemunha do crime, um homem que podia testificar a inocência do pai.
A pequena visitante era mesmo um doce. Conversou com cada um daqueles encarcerados a quem seu pai chamava de amigos.
- Se são amigos do meu pai, também são meus amigos - dizia.
Entretanto, apesar de todos os esforços, a sede de vingança do pai da vítima superou todo argumento de defesa e ele conseguiu na Justiça a pena de morte para Raul.
Foi então que um daqueles prisioneiros, que se dizia o pior, se ofereceu para morrer no lugar do condenado. Todos ficaram surpresos. Ele explicou:
- O Raul precisa retornar para os braços da sua filha. E eu preciso me redimir do meu crime.
O ousado arranjo contou com a cumplicidade dos presos, dos guardas e do diretor da prisão, pois todos estavam certos de que a decisão judicial fora um equívoco e que Raul era mesmo inocente. 
E assim foi feito. Um seguiu para a forca; o outro recuperou a liberdade e retornou para sua pequena Beatriz. Em sua deficiência mental, Raul não compreendera muito bem o que havia acontecido. Só sabia que havia voltado para casa.
Abrir mão da própria vida para salvar um inocente de uma pena injusta e propiciar a felicidade de uma família - eis um gesto excepcional e raríssimo de amor.

Autoria anônima - adaptação de Marcos Aguiar. 

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