PRECIOSOS PRESENTES




Desde pequena, Ana demonstrava extremo carinho com bebês. Tinha um jeito especial de acalmá-los quando choravam.
As amigas de sua mãe comentavam que ela, com certeza, se casaria e teria muitos filhos. Chegavam a descrevê-la com avental, fazendo biscoitos, rodeada de chocolates e guloseimas para as crianças, nos finais de semana.
Ana cresceu, se casou e planejou ter filhos. Na primeira gravidez frustrada, telefonou, em desespero, para sua amiga Lia. Haviam crescido juntas e feito planos de se casarem com dois irmãos, morarem no mesmo bairro e terem seus bebês ao mesmo tempo. Só que elas acabaram se casando com homens que não se conheciam e foram residir em cidades muito distantes uma da outra.
E, a cada aborto espontâneo, Ana telefonava para a amiga, que nem tinha coragem de contar que estava grávida. 
Em quinze anos, Lia deu à luz a sete filhos. E comentava com Ana:
- Queria ter o poder de fazê-la ter filhos e de ser mãe como eu.
Após vários tratamentos infrutíferos, Ana optou por se tornar professora de jardim de infância. Ao menos ali poderia extravasar o amor que tinha pelas crianças, uma vez que a natureza lhe negara o privilégio da maternidade. 
Por esse tempo, Lia revelou à amiga sobre um recente diagnóstico de câncer avançado. Então Ana tomou um avião e foi visitar a amiga.
O marido de Lia mal dava conta dos pequenos, pois precisava acompanhar a esposa ao hospital para a quimioterapia e demais exames. Dos sete filhos do casal, seis eram menores de dez anos; o mais velho tinha quatorze. Foi então que Ana passou a tomar conta da casa e dos filhos da amiga. Cuidava de tudo, como uma autêntica mãe. 
Em meio a esse afã, rezava pra que sua amiga voltasse logo para casa. Contudo, algum tempo depois, Lia faleceu. Seu marido ficou de tal forma desolado que precisou ser medicado e internado. O laudo psicológico indicou ele não tinha condições de reassumir seus compromissos e cuidar dos filhos e do lar.
Quando a Assistência Social bateu à porta para encaminhar os sete irmãos à adoção, Ana estremeceu. Não podia consentir que aquelas crianças, praticamente desamparadas, fossem separadas tão precocemente. Mas quem adotaria sete irmãos?
O marido de Ana, por sua vez, reclamou seu retorno. Afinal, cinco meses já haviam passado e ele não podia continuar sozinho. Que ela resolvesse logo a questão das crianças e voltasse.
Ana respirou fundo, conversou longamente com o companheiro e decidiram se tornar os pais temporários dos filhos de Lia. Quando os médicos declararam que o pai biológico jamais se recuperaria de seu desequilíbrio mental, o casal adotou definitivamente os sete irmãos.
Ana, mais tarde, se lembraria das palavras da finada amiga:
"Gostaria de ter o poder de fazê-la ter filhos."
Não foi da maneira que nenhuma das duas planejou, mas o fato é que o desejo de Lia acabou por se concretizar. 

Texto de Judith Leventhal - adaptação de Marcos Aguiar. 

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