UM CEGO QUE ENXERGA LONGE




"Perdi parte de minha visão aos quatro anos de idade, um pouco mais aos dezesseis e praticamente tudo uns três anos depois. Tive momentos difíceis na hora de estudar, de querer namorar, de querer dançar numa festa.
Não é fácil se adaptar ao mundo quando já não se enxerga, mas é importante entender que poucas coisas realmente valiosas são fáceis.
Percebi, logo cedo, que tinha só duas opções. Eu podia ficar trancado em casa, chorando e me achando uma vítima ou podia sair e viver a vida. No âmbito intelectual, foi fácil compreender isso; emocionalmente, demorei um pouco pra aceitar.
Eu queria trabalhar, assumir responsabilidades, ser produtivo, amar e ser amado, casar, tornar-me independente. Claro que nada disso me seria garantido simplesmente por arriscar e ir à luta, mas também era certo que eu jamais teria aquilo que queria se optasse pelo isolamento. A decisão era fácil, embora ciente de que a luta seria difícil. 
Acredito que algo sempre incomoda quando se está enfrentando um desafio; tendemos a acreditar que é tudo injusto. Por que eu? Por que isso está acontecendo comigo? Por que fiquei cego? Por que tenho câncer? Por que não tenho dinheiro? Por que não sou uma pessoa bonita ou popular?
O interessante é que sempre achamos que o nosso problema é mais sério que o dos outros. O certo é que não damos valor a nada do que temos. Então, sempre parece que não temos nada. Só damos valor a coisas que perdemos.
Quando estava fazendo mestrado em Washington, triste por algum motivo (não lembro se era porque, como cego, estava tendo dificuldades ou se meu computador estava com problemas), escutei, através do rádio, a notícia de um professor universitário na Califórnia que era quadriplégico. Ele precisava pegar um lápis com a boca para digitar no computador, apertando uma tecla de cada vez.
E eu me sentindo a maior vítima, imagine; quando podia andar por todo o campus sem ajuda de ninguém e escrever mais rápido à máquina do que qualquer pessoa na minha sala.
O testemunho daquele professor me ajudou a valorizar muitas coisas que eu não estava dando importância. Perguntei a mim mesmo: O que é justo? O que é injusto? É justo eu ter pernas sem utilizá-las? É justo eu ter um cérebro e não aproveitá-lo ao máximo? É justo eu ter braços fortes e não usá-los para abraçar e demonstrar meu amor a quem me dá tanto? É justo eu ter uma vida e não agradecer todos os dias por ela? É justo eu ter uma esposa, um curso universitário, um coração que pulsa, rins que funcionam, pulmões saudáveis, mãos fortes e não ser grato pelo privilégio de estar vivo?"
As palavras acima são de um jovem brasileiro que trabalha em Nova Iorque. Sua filosofia pessoal, com certeza, é um exemplo para todos aqueles que, às vezes, se deixam desanimar por alguma deficiência física, mental ou emocional, deixando de vislumbrar as bênçãos de que são portadores.
Todos temos potencial, essa que é a verdade. Só precisamos direcioná-lo para o bem.

Texto de Fernando Botelho - adaptação de Marcos Aguiar. 

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