RECONCILIAÇÃO, O REMÉDIO




A comissária de bordo não pôde deixar de observar certo passageiro que ia entrando no avião. O sujeito não estava com a cara boa.
Gentil, acostumada ao trato com todo tipo de gente, ela se aproximou.
- Senhor, noto que não está bem. Com toda modéstia, sugiro-lhe que leia uma obra muito importante. Ela mudou a minha vida.
E citou o título do livro.
Ao ouvi-lo, o homem se sentiu ainda pior. Era ele mesmo o autor da obra citada.
Finalmente tomou lugar em seu assento e, enquanto a aeronave sulcava o céu, ele se pôs a refletir.
Por que estava sempre tão tenso? Como podia escrever para os outros e viver tão mal? Parecia estar revoltado contra tudo e contra todos.
Então deu-se conta da raiz de seu problema: o ódio ao próprio pai. Havia uma mágoa profunda, guardada há anos, por isso se sentia infeliz. Socialmente era famoso, conceituado e respeitado, mas seu interior era só amargura.
Ao desembarcar, estava decidido a ir ter com o pai. Desejava que ele soubesse como sua vida fora estragada por ele.
Após uma viagem de dois mil quilômetros, finalmente chegou à casa do pai. Encontrou-o sentado no sofá, em frente ao televisor.
Sem cerimônias, o filho despejou sobre ele tudo o que havia acumulado por décadas.
Falou de como o pai o prejudicara, que nunca o abraçara ou esboçara um mínimo gesto de carinho; que o pai jamais lhe telefonara para lhe parabenizar pelas conquistas alcançadas.
Quando concluiu a sua fala nervosa e agressiva, o pai lhe apontou uma mala, a um canto da sala, e pediu que a abrisse.
Dentro dela havia muitos recortes de jornais e revistas - todos com entrevistas e reportagens sobre o filho.
Então, com voz envelhecida e triste, o pai igualmente desabafou:
- Você me culpa por sua infelicidade, no entanto se esquece que fui eu quem bancou todos os seus estudos. Pra que conseguisse seu diploma de médico, trabalhei duro, até ao ponto de minhas mãos calejarem e sangrarem. Quando sua mãe morreu, não quis casar de novo, pois receava ter outros filhos que pudessem rivalizar com você no futuro. Você nunca me agradeceu por coisa alguma. Nunca me telefonou. Nunca me mandou uma carta. E eu esperei tanto...
A essa altura ambos choravam; o filho muito mais.
- Eu nunca o abracei, é verdade. Eu não tinha ânimo pra isso, depois de tantas horas de cansaço pelo trabalho pesado...
Um desabafo repleto de dor.
O filho não podia esperar mais.
Ajoelhou-se e pediu perdão. O velho pai o ergueu e o abraçou, quase prendendo-o, como se não quisesse mais soltá-lo.
Tudo que havia de ruim entre eles foi diluído com as lágrimas abundantes dos dois.
Pode ser que a infelicidade que nos cerca seja fruto de uma forma egoísta de enxergar o mundo. Que cada um encontre sua própria resposta para isso.

Autoria desconhecida - adaptação de Marcos Aguiar. 

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