"PARA O MELHOR AMIGO, O MELHOR PEDAÇO"
Serapião era um velho mendigo que perambulava pelas ruas da cidade. Ao seu lado, um "fiel escudeiro" - um vira-lata que atendia pelo nome de "Malhado".
Serapião nunca pedia dinheiro. Aceitava um pão, uma banana, um pedaço de bolo ou outro alimento qualquer. Quando suas roupas se tornavam completamente imprestáveis, logo era socorrido por alguma alma caridosa.
Alvo de constantes brincadeiras de mau gosto, ele era conhecido como alguém que perdera a razão, a família, os amigos e até a identidade. Não bebia e estava sempre de bom humor, mesmo quando não tinha o que comer. Sempre tinha a certeza de que, no momento certo, ganharia algum alimento; e tinha razão. Serapião agradecia e rezava por todos que o ajudavam.
O mais notável em Serapião era que tudo que ganhava, dava primeiro para o Malhado que, paciente, ficava a seus pés, esperando.
Não tinham onde pernoitar. Dormiam, juntos, em qualquer canto. Quando chovia, abrigavam-se embaixo da ponte do ribeirão.
Certa feita, um homem entregou a Serapião uma palma de banana e começou a puxar conversa com ele. Perguntou sobre o Malhado, queria saber a idade dele. Mas Serapião não sabia.
- Não tenho ideia. Nos encontramos pela primeira vez há muito tempo, num beco. Nossa amizade começou com um pedaço de pão. O coitado parecia muito faminto e lhe ofereci o único pedaço que tinha. Ele abanou o rabo, agradecendo, e desde então não me largou mais. Ele me ajuda muito e retribuo essa ajuda sempre que posso.
- Mas como vocês se ajudam?
- Ele me vigia enquanto estou dormindo. Logo late, sempre que alguém se aproxima. Quando ele dorme, eu me torno o vigia; não deixo outros cachorros chegarem perto e não permito que ninguém o maltrate.
Mudando o rumo da conversa, o homem perguntou:
- Serapião, você tem algum desejo de vida? Algum sonho?
- Sim. Tenho vontade de comer um cachorro-quente bem recheado, daqueles que têm na lanchonete da esquina.
- Só isso?
- É, no momento é só isso que eu desejo.
- Pois bem, vou realizar agora o seu grande desejo. Já volto; espere aqui.
Em poucos minutos o homem voltou com um hot-dog graúdo e bem caprichado e o entregou ao velho, que arregalou os olhos e agradeceu, quase chorando. Em seguida tirou a salsicha, colocou-a na boca do Malhado e comeu o pão com o resto do recheio.
- Ué, mas por que você deu logo a melhor parte para o Malhado? - indagou o homem, surpreso.
Ainda com a boca cheia, Serapião respondeu:
- Para o melhor amigo, o melhor pedaço.
O homem se despediu do maltrapilho, passou a mão na cabeça do cachorro e saiu, pensando com seus botões: "Aprendi alguma coisa hoje. Como é bom ter amigos em quem possamos confiar, mesmo que não sejam pessoas!"
Autoria desconhecida - adaptação de Marcos Aguiar.
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