REAVIVANDO MEMÓRIAS




Guilherme Augusto Araújo Fernandes era um garotinho levado. Adorava se pendurar nos galhos das árvores e vivia descalço e com os cabelos bagunçados pelo vento. Mas apesar da peraltice ele era um doce de criança. 
Sua casa ficava ao lado de um pequeno asilo e Guilherme não apenas conhecia mas era amigo de todos os idosos de lá, tendo uma afeição diferenciada por cada um deles.
Por exemplo, ele apreciava o talento de dona Silvana ao piano; gostava do seu Cervantes que sempre lhe contava histórias fantásticas; do seu Waldemar, que andava de um lado para outro com a bengala, quase sem parar, irrequieto e lembrando os bons tempos; apreciava também o seu Edgar com sua voz possante, sempre a cantar.
Mas a pessoa de quem Guilherme mais gostava era a senhora Antônia Maria Diniz Cordeiro, porque ela, assim como ele, tinha quatro nomes. Ele a chamava simplesmente de "dona Antônia" e lhe contava todos os seus segredos.
Um dia, Guilherme ouviu seus pais conversarem a respeito de dona Antônia e soube que ela havia perdido a memória.
- Bem, não é de se admirar - comentou a mãe - Afinal, ela já tem seus noventa e seis anos!
Guilherme entrou na conversa e quis saber o que era memória.
- É alguma coisa da qual a pessoa se lembra - explicou o pai.
Contudo Guilherme não ficou satisfeito com a resposta; então foi perguntar também a seus amigos no asilo.
- É algo quente, meu filho, muito quente - respondeu dona Silvana.
- É uma coisa muito antiga! - disse seu Cervantes. 
- É algo que faz a gente chorar - comentou seu Waldemar.
- É uma lembrança que faz a gente rir! - falou dona Magdala.
E seu Edgar completou:
- É uma coisa que vale ouro, Guilherme!
Então o garoto voltou para casa e começou a procurar "memórias" para dona Antônia, já que ela havia perdido as suas.
Encontrou uma concha que estava guardada numa caixa de sapatos e a colocou numa cesta. Pegou também uma medalha dourada que lhe fora presenteada pelo avô, uma bola de futebol e um ovo quentinho, recém-retirado de debaixo da galinha. Daí foi visitar dona Antônia levando-lhe tudo isso.
Ela ficou emocionada com os presentes. Segurou entre as mãos o ovo ainda quente e recordou sobre quando encontrou, muito tempo atrás, um ovinho azul dentro de um ninho, no jardim da casa de sua tia.
Ao encostar a concha no ouvido, lembrou da vez que tinha ido à praia na adolescência. Pegou a medalha e começou a chorar, falando sobre o irmão que partira para a guerra e nunca mais voltou. Depois, risonha, fitou a bola de futebol e disse:
- Lembra, querido Guilherme? Você estava jogando pelada quando nos vimos pela primeira vez. Naquela partida você escorregou na poça de lama e se sujou todo!
E os dois desataram a rir.
A memória de dona Antônia foi voltando aos poucos, graças a alguém que não era tão sábio e nem maduro. Era simplesmente um garoto que amava os idosos e sabia ser amigo deles.
Não é preciso muito pra fazer feliz a vida de alguém; uma amizade sincera já é suficiente. 

Texto de Mem Fox - adaptação de Marcos Aguiar. 

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