O DESTINO DO HUMILHADO




Num tempo em que não havia automóveis, na cocheira de um palácio real, um burro de carga era constante alvo de chacota dos companheiros.
Um deles, um formoso cavalo árabe, disse com arrogância:
- Triste sina a tua, hein, burro? Com esse pelo maltratado, cicatrizes no lombo e o cabeção tristonho! Já eu conquistei um patamar invejável em corridas! Sou acariciado por princesas e elogiado por reis!
- Como conseguirá um burro entender a glória das competições e o gosto da caça? - comentou um potro de origem inglesa.
Outro soberbo cavalo, de procedência húngara, entrou na conversa:
- Há anos que vejo este miserável sofrendo rudemente nas mãos do bruto amansador. É tão covarde que não chega a reagir, nem mesmo com um coice. Não nasceu senão para saco de pancada. É até vergonhoso conviver com uma criatura dessa.
Nisso um bem cuidado jumento espanhol juntou-se ao grupo e acentuou sem piedade:
- É uma lástima reconhecer neste burro um parente próximo. É um desonrado, fraco e inútil, que não sabe viver senão sob chibatadas, aceitando deveres e obrigações sem relinchar! 
Diante de todas essas observações insultuosas, o burro permanecia calado.
Um outro privilegiado equino ia falar, mas se conteve ao ver chegar a imponente figura do rei, acompanhado do chefe das cavalariças.
- Preciso de um destes para uma grande incumbência; um animal dócil e disciplinado, que inspire absoluta confiança.
O cocheiro indagou:
- O corcel árabe lhe serve, majestade?
- Não, não. Esse é muito altivo e apropriado apenas para meras exibições em festejos oficiais.
- Não quer o potro inglês?
- De modo algum. É muito irrequieto!
- E o húngaro, senhor?
- Nem pensar! É impetuoso e sem boas maneiras. Foi feito pra viver na mata. 
- O jumento espanhol serviria, grande rei?
- Esse também não; manhoso demais. 
Pequena pausa. O soberano então lembrou:
- O burro de carga! Onde está? É a mansidão em pessoa e servirá ao meu propósito!
O cocheiro o trouxe e o rei, puxando-o carinhosamente para fora, mandou prepará-lo com adornos resplandecentes e fez montar nele o seu infante filho para uma procissão na cidadela real.
O Universo invariavelmente providencia um bom destino para os humildes de coração e os menosprezados. É um desenlace mais que inevitável. 

Texto de Renato Antunes Oliveira - adaptação de Marcos Aguiar. 

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