NASCIDO NUM INFERNO




Residente no Brasil, George Legmann é um dos protagonistas de uma história pouco conhecida do Holocausto: ele é um dos raros casos de crianças nascidas num campo de concentração nazista e que sobreviveram à guerra.
Ele e outros seis bebês nasceram entre dezembro de 1944 e início de 1945, no campo de trabalho Kaufering 1, em Landsberg, no sul da Alemanha.
Nos campos de concentração, gestantes eram um fardo que deveria ser eliminado. Elisabeta Legmann engravidou aos 29 anos quando ainda vivia com seu marido em Cluj, na Romênia. Em junho de 1944, os judeus dessa cidade foram deportados para Auschwitz-Birkenau, campo de extermínio na Polônia.
Ao descer do trem, Elisabeta e sua mãe, assim como os demais prisioneiros, passaram por um processo de seleção.
- Os velhos, os doentes e as grávidas vão para o caminhão. O resto vai a pé! - gritaram os alemães.
Sem saber que o primeiro grupo - considerado inapto para o trabalho pelos nazistas - seria enviado para as câmaras de gás, Elisabeta optou por seguir a maioria. 
- A senhora não é velha e eu não estou grávida - disse Elisabeta à mãe. As duas foram enviadas para o campo de trabalho forçado de Landsberg.
Nos meses seguintes, Elisabeta trabalhou puxando carroças cheias de pedras. Ocultou sua gestação com faixas e roupas largas. Descoberta somente na penúltima semana, a gravidez da prisioneira surpreendeu os alemães, que realizaram então uma busca por outras gestantes em diversos campos. Encontraram mais seis, que foram trazidas para Landsberg.
A deportação para Auschwitz seria o mais provável, mas ao fim de 1944 os alemães já estavam perto da derrota. Os campos de concentração estavam sendo evacuados às pressas e não havia para onde mandar os prisioneiros.
"Ao ver que a guerra estava no fim, o comandante do campo decidiu nos deixar vivas porque isso poderia pesar a seu favor depois da derrota", contou Elisabeta mais tarde. Seu filho, George, foi o primeiro dos sete bebês a nascer, em 8 de dezembro de 1944.
Pouco antes da libertação, em abril de 1945, mãe e filho viveram o momento mais dramático de suas vidas. Elisabeta conta um pouco sobre isso:
"As forças aliadas bombardearam a região de Landsberg e, no ataque, o filho de um oficial alemão morreu. Dias depois, o pai disse que queria ver meu filho. Mostrei a criança e ele me fez uma proposta: 'Você me dá o seu filho e eu o adoto.' Era uma escolha difícil. Se não desse, a criança poderia acabar morrendo. Se desse, George se tornaria um alemão. Depois de três noites sem dormir, decidi não dar."
Em 1945, após a rendição alemã, Elisabeta se reencontrou com o marido e assim voltaram para a Romênia onde ficaram até 1960, quando 50 famílias romenas receberam autorização para imigrar para o Brasil. Os Legmann chegaram aqui em 1961 e se estabeleceram em São Paulo. 
George, hoje engenheiro químico, mora em Higienópolis, São Paulo. Os outros seis bebês moram nos EUA, Canadá, Hungria, República Tcheca e Israel.
Indagado sobre eventuais sequelas causadas por ter passado seus primeiros dias de vida num campo de morte, George diz: "Sou uma pessoa muito sensível e nervosa."
Bem. Ao menos ele é privilegiado por ter escapado de um inferno.

Texto de Otávio Dias - adaptação de Marcos Aguiar. 

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