NOSTALGIA




Na infância a gente não compreendia o choro da mamãe quando assistia um filme, ouvia uma música ou lia um livro. Ainda não podíamos entender que ela não chorava por coisas visíveis. Ela chorava pela eternidade dentro dela.
O tempo passou e hoje nos emocionamos pelas mesmas coisas, tocados por pequenos relampejos da memória. 
Ela é contrária ao tempo. O tempo leva a vida embora, mas a memória traz de volta o que realmente importa, perpetuando momentos. 
Crianças têm o tempo a seu favor e sua memória ainda é muito recente. Para elas, um filme é apenas um filme, assim como um livro ou uma canção. 
Paralelamente ao tempo, testemunhamos a própria velhice, o crescimento dos filhos e a partida eterna de amigos e queridos. Porém, diante da memória, ainda somos jovens, os filhos são pequenos, os amigos estão próximos e os entes queridos ainda vivem.
Quanto mais vivemos, mais eternidades criamos dentro da gente. Quando nos damos conta, nossos baús interiores estão repletos daquilo que amamos, o que deixou saudade, o que doeu além da conta, o que permaneceu depois de uma despedida ou de um enterro.
É daí que surgem as emoções.
Ligamos o rádio e toca uma música qualquer, que ninguém nota, mas que faz parte da gente, mesmo que a tenhamos ouvido há muitos anos.
A memória afetiva não obedece a calendários, nem acompanha as estações. Parte da gente volta sempre no tempo e recorda aquela pessoa, aquele dia, aquela época.
Quando amigos de juventude se reencontram depois de anos -  já adultos ou até idosos - e voltam a se comportar como adolescentes bobos, é porque amigos autênticos se eternizaram dentro deles.
Descobrimos que o tempo não passa para a memória. Ela eterniza pessoas queridas - mesmo que por fora restem cabelos brancos, artroses e rugas. 
Por isso é tão difícil despedir-se de alguém especial que por algum motivo deixou de fazer parte de nossas vidas. 
Dizem que o tempo cura tudo, mas não é simples assim. Ele acalma os sentidos e põe um curativo na dor; mas aquilo que ainda amamos pode repentinamente ressurgir das profundezas da memória e nos "assombrar" de vez em quando. 
Somos traídos pelo enredo de um filme, uma música antiga, um lugar especial, um acontecido lembrado de repente.
Do mesmo modo, somos recordações vivas na memória das pessoas que nos amam e seremos eternamente lembrados por elas, mesmo depois que formos embora de vez.

Texto de Adélia Prado - adaptação de Marcos Aguiar. 

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