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DEDICAÇÃO DESINTERESSADA

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Certa senhora residia num asilo há três anos. Agradável com todos, era o centro das atenções. E, embora tivesse que permanecer na cama ou na cadeira de rodas, em função das muitas dores, mostrava-se continuamente feliz. Sempre tinha uma história para contar, com dicção clara e linguajar de alto e bom astral que encantava seus ouvintes. Por vezes, relatava fatos de sua própria vivência com familiares.  Uma vez, alguém lhe perguntou por quantos anos fora casada. - Cinquenta e três anos. E sem férias - respondeu com um suspiro. Outra interlocutora quis saber se o marido era tão bom e gentil, dada a longevidade da relação. - Até o dia do casamento me parecia que sim; mas, depois, as coisas foram mudando muito. Ele era bem mais velho, estrangeiro, ateu e com costumes bem diferentes dos meus. Eu, jovem oriunda de uma família humilde, tive uma infância pobre e muito religiosa. O deus dele consistia no dinheiro. Seus apegos maiores eram a gula e o sexo. Nunca falou que me amava ou

O PODER DA DOÇURA

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Um viajante seguia pela estrada, quando observou um pequeno rio que começava tímido por entre as pedras. Acompanhando o curso do rio por um bom tempo, notou que ele ia gradativamente se avolumando. Mais adiante, o que mais parecia um córrego se desdobrava agora em dezenas de cachoeiras, num espetáculo de águas cantantes. A música das águas enfeitiçou o andarilho, que se aproximou e foi descendo pelas pedras, ao lado de uma das cachoeiras. Descobriu, com surpresa, uma gruta, criada pela natureza com formas caprichosas. O homem entrou, impressionado com o aspecto das pedras gastas pelo tempo. De repente, descobriu uma placa. Alguém, obviamente, estivera ali antes dele. Com o auxílio da lanterna, leu a inscrição da placa. Consistia em versos do escritor Tagore, prêmio Nobel de literatura de 1913: "Não foi o martelo que deixou perfeitas estas pedras, mas a água, com sua doçura, dança e canção. Onde a dureza só faz destruir, a suavidade consegue esculpir." Assim também

MEMÓRIAS PRECIOSAS

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Laís e Clara chegaram eufóricas à casa da vovó, com suas mochilas quase explodindo com tantas coisas - roupas, travesseiros, mantas coloridas, brinquedos; enorme bagagem pra tão pouco tempo. - A gente trouxe tudo de que precisa, vó. A avó não deixou por menos. Estendeu um colchão grande no assoalho da sala, rodeado de almofadas, como se fossem paredes de uma cabana em plena floresta. Nesse espaço, avó e netas compartilharam momentos agradáveis. Houve leitura de estórias, simulação de piquenique, teatrinho e outros passatempos. Ninguém sabia quem estava mais feliz: a avó que recebia as netas ou elas que visitavam a avó. No entanto, houve um momento que superou os folguedos e guerras de almofadas e travesseiros. Foi quando a avó começou a relatar fatos da vida da mãe das meninas, da época em que essa tinha mais ou menos a idade delas. A curiosidade cresceu. Perguntas se sucediam umas às outras, quase sem cessar. Histórias da família e da escola, travessuras, peraltices - tudo

DE ONDE VEM A CHUVA?

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Fazia tempo que não chovia na roça, de maneira que os animais começaram a ficar inquietos. Uns diziam que ia chover logo; outros diziam que ainda ia demorar; mas não chegavam a um consenso. - Só chove quando cai água do teto do meu galinheiro! - comentou a galinha. - Ora, que bobagem! - retrucou o sapo de dentro da lagoa - Chove quando a água aqui começa a borbulhar! - Mas como assim? - replicou a lebre - Está visto que chove quando as folhas das árvores começam a gotejar a água que têm dentro! Nesse momento, começou a chover. - Viram? gritou a galinha - O teto do meu galinheiro está pingando. Isso é chuva! - Ora, não vê que a chuva é a água da lagoa borbulhando? - argumentou o sapo. - Nada disso! - retornou a lebre - Estão cegos? Não vêem que a água cai das folhas das árvores? Cada animal achava saber de onde vinha a chuva mas, na realidade, nenhum deles tinha o conhecimento, apenas opiniões. E opiniões não costumam se solidificar em fatos. Texto de Millôr Fernandes - adap

A XÍCARA DE CHÁ

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Havia um mosteiro no alto de uma montanha, onde vivia um grande mestre procurado por muitas pessoas sedentas de conselhos. Um homem, ouvindo falar sobre o mestre, decidiu ir conhecê-lo. Cruzou o país inteiro até chegar ao mosteiro e foi recebido pelo próprio mestre que o convidou para um chá. Sentaram-se e o mestre preparou as xícaras. O homem estava tão entusiasmado com o encontro que não parava de falar um único minuto; contou ao grande mestre sobre suas peregrinações, os livros que havia lido e tudo que havia aprendido. Falou o quanto era inteligente e até recitou frases de grandes pensadores. Enquanto isso, o mestre ia calmamente tomando o seu chá. Ao terminar de beber sua xícara, encheu-a novamente e começou a encher também a xícara do visitante, que não parava de falar. Daí a xícara transbordou, encharcando a mesa e escorrendo chá em abundância pelo chão.  O hóspede, surpreso e contrariado, gritou: - Pare! Não vê que está molhando tudo? Só então o mestre, serenamente,

ABANDONADA

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Numa manhã ensolarada, um rústico caixão foi baixado à sepultura. De quem se tratava? Ninguém sabia ao certo. Apenas meia dúzia de gente acompanhando o féretro. Nenhum choro ou lamento pela ausência do morto, nem mesmo balbúcios de adeus. O corpo pertencera a uma idosa residente no asilo regional, onde havia passado grande parte da vida. Uns dias após seu sepultamento, a zeladora encontrou numa gaveta, ao lado da cama da falecida, algumas anotações. Começou a lê-las e não pôde conter as lágrimas. Aquela anciã fora abandonada pela família naquele asilo, muitos anos antes, e desprezada para sempre. As próprias palavras da senhora expressam melhor a dor dela: "Onde andarão meus filhos? Aquelas crianças sorridentes que embalei em meu colo, alimentei com meu leite e cuidei com tanto desvelo, onde estarão?  Estarão tão ocupadas que não possam ao menos me telefonar para me dizer: 'olá, mamãe'? Ah! Se eles soubessem como é terrível a dor do abandono... a mais depriment

VERDADEIROS REIS

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Uma vez, numa pequena aldeia, chegou um caçador que estava perdido. Dirigindo-se a um camponês, perguntou: - Você sabe o caminho para Gondar? - Sei sim, senhor, mas já está anoitecendo e Gondar fica a um dia de distância daqui. Então sugiro que pernoite em minha casa e amanhã cedo poderá partir. O homem aceitou o convite alegremente. O camponês preparou-lhe uma de suas poucas galinhas para o jantar e lhe ofereceu o seu leito, indo dormir no chão. No dia seguinte, antes de sair, o caçador disse: - Já que você sabe o caminho para Gondar, poderia me acompanhar até lá pra que eu não me perca novamente? - Tudo bem, irei com o senhor, mas com uma condição: chegando lá, quero que me mostre o rei, pois eu nunca o vi. - Combinado. Você o verá. Assim partiram, ambos montados no cavalo do caçador. Passaram por montanhas e bosques, durante um dia e uma noite inteira de viagem. Chegando a Gondar, o camponês indagou: - Como vou saber quem é o rei? - Muito simples: quando todo mundo fizer